Educação a distância e tecnologias: políticas públicas, qualidade e inovação

PREFÁCIO
Luiz Fernandes Dourado
luizdourado2@gmail.com
https://orcid.org/ 0000-0001-5212-6607
A coletânea intitulada Educação a Distância e tecnologias: políticas públicas, qualidade e inovação organizada pelas professoras doutoras Daniela da Costa Britto Pereira Lima da Universidade Federal de Goiás e Catarina de Almeida Santos da Universidade de Brasília analisa temáticas da maior relevância no campo das políticas educacionais, em particular, abordam questões atinentes a educação a distância na educação superior.
Acompanho a algumas décadas o debate sobre a educação a distância, na condição de pesquisador e propositor do primeiro curso de aperfeiçoamento nesta modalidade educativa na UFG e, no período de 2012 a 2016, na condição de Conselheiro da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE), fui membro da Comissão da CES e relator do Parecer CNE/CES nº 564/2015, aprovado por unanimidade no CNE e que resultou na sua homologação e, portanto, na Resolução CNE CES nº 01/2016 que Estabeleceu as Diretrizes e Normas Nacionais para a Oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância.
O debate sobre a EaD, ainda que as temáticas e práticas nesta modalidade não sejam novas no Brasil, ganha estatura com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e com os desdobramentos políticos decorrentes de sua efetivação articulados aos processos de expansão da educação superior demarcados pelo embate histórico entre a esfera pública e a esfera privada.
A trajetória da educação a distância no Brasil, a partir dos anos 1990, vai se desenvolver no contexto da reforma do Estado, da reforma do sistema educativo, em articulação com os processos transnacionais, sobretudo articulados as recomendações dos organismos multilaterais, cujas proposições e recomendações encontravam espaço nas formulações nacionais e eram apreendidas no cenário educacional.
Na contramão de uma postura determinista, sinalizo a convergência das recomendações dos organismos internacionais para a educação a distância, como modalidade educacional a ser expandida, e com parte dos desafios postos aos movimentos e demandas pela democratização da educação no país, sobretudo, da educação superior, sua expansão e interiorização. Nesse contexto, se apresentava a regulamentação da educação a distância, como decorrência, entre outros, do artigo 80 da LDBEN. Importante ressaltar que várias iniciativas na educação superior, por meio da modalidade EaD, foram delineadas destacando-se a criação de consórcio, rede dentre outras.
A discussão sobre a EaD sempre foi tensa e objeto de grandes disputas, envolvendo a concepção, o papel das TICs, dos profissionais da educação, dos técnicos, do material didático, infraestrutura e acessibilidade, a relação público e privado, entre outras importantes questões e desafios demarcados por frágil processo regulatório.
Vários esforços convergiam para a necessidade de se estabelecer formulações mais orgânicas para esta modalidade. Nessa direção, movimentos foram efetivados no Ministério da Educação por meio da criação de grupos de estudo, de discussão e de assessoramento. Aliado a esse esforço nacional, sinalizações e ações propositivas foram efetivadas no sentido de expansão desta modalidade educativa, ou seja, ao mesmo tempo em que se fazia uma avaliação do estado da arte se buscava estabelecer mecanismos direcionados a incentivar a materialização da educação a distância.
Dispositivos foram aprovados (incluindo Decretos, Portarias, padrão de qualidade, dinâmicas avaliativas) e várias iniciativas de apoio a expansão da modalidade EaD vão se deslindando (redes, consórcios, universidades virtuais...) nos setores público e privado. As atividades de regulação, avaliação e supervisão ainda estavam se estruturando e esse processo abriu margem para uma significativa expansão da modalidade nem sempre atenta a garantia dos padrões de qualidade para a educação superior.
Esforço efetivo foi feito pela Câmara de Educação Superior (CES) do CNE (2012 a 2016) ao buscar normatizar a matéria, objetivando a efetivação de marcos regulatórios e de avaliação face a constatação das insuficiências dos marcos normativos (a despeito do Decreto 5622/2005 e dos padrões de qualidade) e levando em consideração, também, as inúmeras denúncias de ofertas irregulares e de baixa qualidade de cursos superiores em todo o país. Importante ressaltar que, no contexto da criação da Comissão , vários embates se efetivavam no campo, especialmente entre os setores público e privado.
Importante ressaltar, ainda, a mística criada em torno da EaD como mola propulsora da democratização do acesso, concepção muitas vezes descolada da defesa da necessária efetivação de política pública. A esse respeito Dourado (2020, p. 28) afirma
É fundamental compreender que os embates sobre a EaD como modalidade e, sobretudo, as exigências trazidas no bojo da Resolução CNE CES 1/2016 passam a ser objeto de novos questionamentos, sobretudo pelo setor privado mercantil (nacional e transnacional) que, historicamente, se opõe a qualquer marco regulatório que visa a efetiva institucionalização da modalidade com garantia de qualidade social.
Vários movimentos vão se efetivar, após o golpe de 2016, com apoio de setores governamentais. Boa parte destes movimentos se efetivam em contraposição a Resolução CNE CP 1/2016 e suas exigências no que concerne a concepção de EaD, contextualização da IES, conforme instrumento de avaliação pertinente ao ato; contextualização do curso, conforme instrumento de avaliação pertinente ao ato; estrutura e organização curricular, bem como metodologia das atividades acadêmicas e de avaliação de cada curso; perfil educacional dos profissionais da educação (professor, gestor e tutor), técnicos, perfil do egresso, tanto da instituição como dos respectivos cursos ofertados na modalidade a distância; modelos tecnológicos e digitais, materializados em ambiente virtual multimídia interativo, adotados pela IES, em consonância com os referenciais de qualidade da EaD e respectivas Diretrizes e Normas Nacionais, de forma que favoreçam, ainda, maior articulação e efetiva interação e complementariedade entre a presencialidade e a virtualidade, subjetividade e a participação democrática nos processos ensino e aprendizagem, infraestrutura física e tecnológica e recursos humanos dos polos de EaD, em território nacional e no exterior, tecnologias e seus indicadores; abrangência das atividades de ensino, extensão e pesquisa; e relato institucional e relatórios de autoavaliação.
Nesta direção, novos atos são delineados com especial realce para os Decretos, como o Decreto nº 9.057, de 2017 que “Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 , que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e revoga o Decreto nº 5.622/2005 e o Decreto nº 9.235/2017” que “Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino”. Estes atos se configuram como parâmetros regulatórios que flexibilizam várias exigências para a efetivação da EaD, como modalidade a ser institucionalizada, envolvendo desde questões atinentes à institucionalização da modalidade, aos profissionais da educação, até a flexibilização dos processos de autorização, credenciamento e recredenciamento, dentre outros.
Na mesma direção, outro movimento em curso deve-se a decisão do CES do CNE de instituir uma Comissão para revogar a Resolução CNE CES 1/2016. Tais processos e movimentos sinalizam a primazia dos interesses da educação superior privada mercantil em detrimento dos requisitos de qualidade para a oferta da EaD no país.
Face a este pequeno histórico, ressalto a importância desta coletânea que é resultado de análises e pesquisas, envolvendo pesquisadores de várias instituições do Centro-Oeste cujas análises permitem ao leitor problematizar concepções e tendências em disputa, questões atinentes a planejamento, gestão, organização, qualidade, inovação, financiamento, expansão, interiorização, institucionalização, relação público e privado e os desdobramentos destes processos nas instituições de educação superior, com especial ênfase no papel da Universidade Aberta do Brasil (UAB), sem descurar de apontar suas potencialidades e limites.
São temáticas que se articulam e desvelam desafios face ao complexo cenário da EaD em nosso país demarcado por uma expansão vertiginosa, em muitos casos, sem a garantia de condições efetivas de funcionamento com qualidade.
A discussão sobre a qualidade e a efetiva institucionalização da EaD como modalidade se apresenta como temáticas basilares para os estudos, pesquisas e proposições no campo. A esse respeito ressalto a definição de Dourado (2020a, p. 179-189) sobre qualidade:
(...) uma educação de qualidade, entendendo a educação como prática social e histórica, envolve múltiplas dimensões sociais e educacionais, dentre essas: a) dimensão socioeconômica e cultural dos sujeitos envolvidos; b) dimensão dos direitos e das obrigações do Estado (acesso, diretrizes e padrões de qualidade, processos de regulação e de avaliação, bem como a garantia de programas suplementares); c) dimensão dos sistemas de educação, das instituições educativas e dos profissionais e estudantes (condições de acesso e permanência, gestão e organização do trabalho formativo em articulação com o projeto pedagógico, a valorização do profissional da educação e da cultura institucional), fundamentais para a efetiva garantia de acesso ao conhecimento e, portanto, aos processos de ensino-aprendizagem e de desenvolvimento. Nessa direção, a educação de qualidade envolve a indicação de insumos, propriedades, atributos e a definição de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, mas não se circunscreve a eles.
Uma educação de qualidade implica, portanto, considerar a multiplicidade desses aspectos, como resultado de processos coletivos e democráticos, articulados à concepção de educação e qualidade social, às condições de acesso e permanência, aos sujeitos envolvidos no processo e suas condições concretas, à dinâmica formativa e aos aspectos político-pedagógicos que consubstanciam o ato educativo, envolvendo a aquisição e a produção de conhecimentos e saberes significativos, a avaliação formativa, a definição coletiva de base comum nacional que garanta a unidade na diversidade. É preciso pensar em processos avaliativos mais amplos, vinculados a projetos educativos democráticos e emancipatórios, contrapondo-se à centralidade conferida à avaliação como medida de resultado, que se traduz em instrumento de controle, ranqueamento e competição institucional. (DOURADO, 2020, p. 179-180).
Ressalto que a importância da discussão chave proposta por esta coletânea é de pensar a qualidade sem dissociá-la da inovação, da democracia, da justiça social e, portanto, da efetiva institucionalização da EaD como modalidade educativa como delineado na Resolução CNE CES 1/2016, ao afirmar que a educação a distância é caracterizada como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica, nos processos de ensino e aprendizagem, ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, políticas de acesso, acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, de modo que se propicie, ainda, maior articulação e efetiva interação e complementariedade entre a presencialidade e a virtualidade “real”, o local e o global, a subjetividade e a participação democrática nos processos de ensino e aprendizagem em rede, envolvendo estudantes e profissionais da educação (professores, tutores e gestores), que desenvolvem atividades educativas em lugares e/ou tempos diversos.
Em síntese, o leitor encontrará nesta coletânea reflexões que contribuem para o repensar da EaD como modalidade educativa a ser institucionalizada por meio de política pública resguardando os parâmetros e padrões regulatórios e de avaliação que garantam o direito a educação com qualidade e justiça social.
Esta coletânea configura-se, portanto, espaço de disseminação e discussão de resultados de estudos e pesquisas, desenvolvidas por um grupo de pesquisadoras/es da região Centro-Oeste, sobre a Educação a Distância e tecnologias: políticas públicas, qualidade e inovação e, neste sentido, nos instiga a aprendizados e novas problematizações sobre a temática.
REFERÊNCIAS
DOURADO, L. F. Políticas em educação a distância e sua dinâmica normativa após 1990 ao contexto atual. Entrevista. Revista Educação e Políticas em Debate. v. 9, n. 1, p.22-52, jan./abr. 2020 -ISSN 2238-8346.
DOURADO, L. F. Educação de Qualidade. (Entrevista). Em Aberto, v. 33, n.108, p.181/189, set/dez. 2020a.
A esse respeito ver Dourado (2020)