Refletir e analisar “políticas, práticas, gestão e planejamento educacional” é um desafio amplo e complexo, dado o modo como se desenvolveu e vem se desenvolvendo a educação brasileira, marcada por avanços, retrocessos e resistências em diferentes contextos e conjunturas. O Estado, que tem o poder de regular os diferentes campos sociais, tendo o monopólio dos instrumentos de gestão e administração dos bens públicos – dentre eles a educação –, o faz, quase sempre, em direção ao atendimento das demandas econômicas e produtivas das classes dominantes, corroborando para a reprodução da estrutura de poder social existente, em detrimento das demandas sociais progressistas que concebem a educação como um direito social, em articulação com a democracia, o estado de direito e a educação pública para todos e todas, e, nessa direção, defendem democratização do acesso à educação, universalização dos diferentes níveis e modalidades, ampliação da obrigatoriedade da faixa etária de escolarização, laicidade, gestão democrático-participativa, criação e efetivação de condições de oferta da educação pública, qualidade social e pedagógica da educação, ampliação da educação de tempo integral, assim como autonomia e emancipação que favoreçam o exercício da cidadania crítica para a vivência e afirmação dos valores, processos e condições de uma sociedade genuinamente democrática.
A luta em prol da construção de um projeto educacional democrático e inclusivo no Brasil sofreu, por vezes, retrocessos sociais, sobretudo em momentos de ditaduras, autoritarismos, conservadorismos e defesas de ideologias e ações governamentais contrárias aos interesses das classes menos favorecidas. A redemocratização do Brasil, pós-regime militar (1964-1985), foi fundamental no sentido de se avançar na direção de uma educação como direito social e humano, tendo por base uma perspectiva mais igualitária e inclusiva. Devido, todavia, à conformação de um país federado, cuja educação deve ser organizada e ofertada em um regime de colaboração, em que estados e municípios são entes autônomos na constituição e efetivação dos seus sistemas de ensino, observa-se a definição e implementação de diferentes “políticas, práticas, gestão e planejamento educacional”. Mas, de modo geral, buscou-se, desde a Constituição Federal de 1988, mesmo com ambiguidades e contradições, igualar as oportunidades aos estudantes de diferentes classes sociais, com aumento das oportunidades educacionais e expansão da educação pública, de modo a construir uma educação menos seletiva e discriminatória.
Inicialmente, buscou-se, desde a redemocratização do país, ampliar o acesso à educação, dada a insuficiência da oferta, o que levou o Estado lentamente a expandir o tempo de escolarização obrigatória, chegando somente em 2009, por meio da Emenda Constitucional n.º 59/2009, a definir a faixa etária obrigatória de 4 a 17 anos, ou seja, da pré-escola ao ensino médio. Buscou-se ainda, sobretudo a partir dos anos 1990, garantir a universalização do ensino fundamental, bem como corrigir as disfunções no fluxo etário. Ainda nos anos 1990 e 2000 enfatizou-se e generalizou-se a criação de sistemas de avaliação baseados em testes e exames padronizados, acompanhados da criação de índices educacionais.
Todavia, só a partir dos anos 2000 é que se avançou mais na compreensão de que as grandes assimetrias educacionais se devem em grande parte à desigualdade social no Brasil. Portanto, a efetivação do direito à educação passa pela construção da qualidade social e pedagógica das instituições públicas educativas. Em termos de políticas educacionais, isso implica a efetivação da escolarização obrigatória (4 a 17 anos) em escola pública de tempo integral e com projeto social e pedagógico consistentes. Além disso, faz-se necessário financiamento da educação que implemente o custo-aluno-qualidade; que contribua para a produção e universalização da educação básica de qualidade, com gestão e avaliação democrática da educação, assim como formação e valorização dos profissionais da educação e implementação de projetos político-pedagógicos comprometidos com a inclusão social e com a aprendizagem significativa dos estudantes. Não se pode deixar em segundo plano a compreensão dos condicionantes econômicos, sociais e culturais, decorrentes da origem de classe, em nome de uma ideologia dos dons e talentos naturais, cujos méritos individuais são quem deve definir ou não a posição e a mobilidade social dos indivíduos.
No contexto mais recente, as forças neoliberais e conservadoras articuladas na chamada nova direita combatem, por diferentes meios, a democracia e o chamado estado do bem-estar-social ou simplesmente estado social. Observa-se uma deserção do estado social em favor do chamado estado neoliberal ou estado mínimo, mas que se transforma efetivamente num estado penal, policial e punitivo, que é cada vez mais onisciente e onipresente na vida social, embora propague a chamada liberdade de iniciativa e concorrência do livre mercado. Nessa lógica, busca-se instituir uma sociedade de livre mercado em que deve prevalecer, naturalmente, o mais forte, o mais capaz e, supostamente, o que tem mais mérito natural, desconsiderando os condicionantes decorrentes do capital econômico, social e cultural, mesmo que isso leve a uma maior desigualdade social e mesmo maior segregação. A noção de construção do bem comum, decorrente da implementação de uma sociedade efetivamente democrática, é substituída por uma espécie de darwinismo social.
Nesse contexto, os temas pesquisados e tratados neste livro analisam e discutem aspectos diversos do campo da política e gestão da educação. Alguns já discutidos e pesquisados há mais tempo que outros. Por exemplo, desde os anos 1980, os pesquisadores da área de educação buscam examinar a problemática da gestão democrático-participativa nas escolas e nos sistemas de ensino; a democratização, expansão, inclusão e universalização da educação básica e superior; a melhoria da qualidade social e pedagógica das escolas; a centralização versus descentralização administrativa da educação; a formação e valorização do trabalho docente; a reforma do ensino médio e profissional; a relação público-privado na educação. A esses temas juntam-se outros como a educação de tempo integral, as novas tecnologias da informação e comunicação, o uso das redes sociais no campo da educação, o ensino remoto e a educação a distância, os ambientes virtuais de aprendizagem, a expansão do ensino híbrido e da educação a distância o teletrabalho, a reforma do ensino médio, os currículos básicos padronizados, a formação inicial e continuada de professores conforme os currículos e exames estandardizados, a militarização das escolas e/ou implementação de escolas cívico-militares, a educação domiciliar, a escola sem partido, dentre outros.
Este livro, intitulado “Políticas, práticas, gestão e planejamento educacional”, organizado por Nadia Bigarella, Carina Elisabeth Maciel e Vilma Miranda de Brito, a partir de pesquisas realizadas sobretudo nos programas de pós-graduação de Mato Grosso do Sul, em articulação com a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), traz um conjunto de capítulos que buscam examinar alguns desses temas e problemas, antigos e novos, do campo das políticas e gestão da educação, o que coaduna com o objeto de estudo e campo de atuação dessa Associação, qual seja, as políticas públicas e o governo da educação, a gestão escolar e universitária e seus processos de planejamento e avaliação.
A obra traz, portanto, uma contribuição inestimável para a reflexão de objetos de estudo pertinentes e atuais, sobretudo porque reflete e os analisa criticamente, de modo a situá-los na relação Estado, democracia e educação no Brasil, cada vez mais pautados por orientações e políticas neoliberais e conservadoras, que buscam descontruir ou impor reformas e ajustes estruturais em sintonia com a expansão do capital e interesses ideológicos da chamada nova direita. O exame dos diferentes objetos de estudo, em contextos e dinâmicas peculiares, enriquece o presente livro, pois mostra os retrocessos, avanços ou mesmo resistências em políticas abrangentes, nacionais ou locais. De modo geral, a obra contribui para a afirmação da democracia, do estado democrático de direito, da justiça social e, ainda, para a educação de qualidade como direito social e humano.
João Ferreira de Oliveira